Neve, Gelo e Aviões…

Para a imensa maioria das pessoas, neve e gelo são coisas que não parecem ligadas à aviação aqui no Brasil. “Ah, deve ser coisa de quem viaja para o fora para curtir o Natal e festas de final de ano no exterior, num cenário gelado”. Mas isto não é totalmente verdade.

Para melhor entendimento, vamos separar o assunto em 2 momentos de uma viagem aérea: no solo e no ar.

Em voo, um avião encontra temperaturas negativas em qualquer lugar do planeta. Pode estar cruzando o deserto do Saara a 33 mil pés ao meio dia e a temperatura externa estará muitos graus abaixo de zero. Isto é totalmente normal e sempre levado em consideração no projeto das aeronaves.

Mas e o gelo? Por que não vemos as asas congelando?

A resposta para isto é: para formação de gelo, precisamos de água ou alta umidade se acumulando nas superfícies e condições de temperatura e pressão adequadas. Nem sempre estes fatores estão presentes no voo. Normalmente, tempestades carregam água e gelo. Estes elementos são detectados pelo radar meteorológico da aeronave e evitados pelos pilotos. Zonas com risco de formação de gelo na aeronave são evitadas quando possível.

E quando não é possível? E se o avião “congelar”? E se o pára brisa acumular gelo e o piloto não enxergar?  E se “aqueles negócios pontudos” congelarem como no caso do avião da Air France? (acreditem, já ouvi estas e outras perguntas mais ou menos nesta sequencia de uma pessoa com medo de voar em um intervalo de 3 segundos).

Vamos por partes. O avião não “congela”, ele acumula gelo na sua superfície. O gelo é algo ruim para o avião porque ele atrapalha o fluxo de ar sobre as asas (leia o posto sobre Sustentação… Para voar, precisa de um fluxo constante e que passe por toda a superfície da asa (acelerando em cima para criar pressão negativa). A formação de gelo prejudica o fluxo de ar (cria barreira física e causa turbilhonamento do ar) – veja a foto acima de uma asa com gelo. Até mesmo as pás de uma hélice de um avião podem acumular gelo em voo da mesma forma. As janelas dos pilotos, por estarem voltadas para a frente, acumulam gelo também. Os tubos de Pitot (ou “negócios pontudos”, como se referiu a pessoa que falou comigo) são sensores que participam do sistema que informa velocidade e altitude. Eles também são passíveis de formação de gelo e, por causa disto, serem obstruídos total ou parcialmente.

Talvez, lendo até este ponto, alguma pessoa com muito medo de voar já pode estar em pânico e procurando passagens de ônibus para viajar nos feriados… Mas, agora vem a parte com as explicações de como a aviação lida com estas situações.

As janelas da cabine de comando são aquecidas eletricamente (uma forma muito mais forte do que o desembaçador traseiro de um automóvel). As duas da frente ainda recebem ar do ar condicionado (também mais forte do que o pára brisa do seu carro).  Os tubos de Pitot também são aquecidos eletricamente para evitar a formação de gelo (aqui uma observação importante: mesmo que eles congelem e parem de funcionar, existem procedimentos e treinamento para esta situação e os pilotos passam a extrair estas informações de outros sistemas e o voo prossegue sem maiores problemas).

As turbinas tem a sua parte anterior (aquela parte “sem pintura”) oca por onde passa o ar super aquecido dos motores para evitar a formação de gelo ali. Este mesmo ar também é desviado por dutos para as asas (nos locais onde o gelo é mais prejudicial). Aviões menores tem um sistema pneumático (como uma espécie de câmara de ar de um pneu) na superfície voltada para a frente (no fluxo de ar) que se infla e “quebra” o gelo. As hélices também são aquecidas eletricamente para evitar acúmulo de gelo. Sistemas de detecção de gelo também fazem parte das medidas para aumentar a segurança. Lembre-se, os pilotos também evitam voar por muito tempo em condições de formação de gelo solicitando desvios para o controle de tráfego.

No solo, as aeronaves também acumulam gelo. Em aeroportos com esta característica, existem equipamentos especializados em remover o gelo das superfícies de voo (veja fotos acima). Parece um lava a jato de jato (com o perdão do trocadilho), mas não tem nada a ver com limpeza de sujeira mas sim remoção do gelo ao mesmo tempo que parte do produto fica aderida às superfícies para retardar a formação de gelo. Os aviões passam por este procedimento antes de decolar. Como este processo possui um tempo limitado de atuação (assim como seu protetor solar), se passar do limite e a aeronave não tiver decolado, deve retornar para fazer novamente este processo (para os mais preocupados com dinheiro, um litro deste composto pode custar até 5 dólares e podem ser necessários milhares de litros, dependendo do tamanho da aeronave e eu já estive em um A380 que passou por isto). Por causa do custo e tempo que leva, existe toda uma logística adicional no controle de solo para evitar que aeronaves tenham que retornar para refazer o procedimento. Coloquei algumas fotos de aviões passando por isto também já que aqui no Brasil não temos este problema.

Mas e a pista? Como o avião não sai deslizando como um patinador no gelo?

As pistas também são tratadas e passam por processo similar ao das aeronaves. Veículos e equipamentos especiais removem o excesso de neve e despejam produtos que eliminam o gelo. De tempo em tempo, o processo precisa ser repetido para garantir a segurança. O sistema de freio da aeronave também possui mecanismo anti travamento das rodas e é preparado para isto. Os controladores avisam a condição da pista para que os pilotos se preparem adequadamente.

Uma observação que preciso fazer é em relação ao meio ambiente. Infelizmente, estes produtos são poluidores e podem contaminar o solo e água. Os aeroportos possuem sistemas que coletam os resíduos mas nem sempre são 100% eficazes.

Espero ter ajudado a desmistificar mais um medo.

Tenham todos um ótimo Natal e Feliz Ano novo.

Bons voos!